domingo, 8 de novembro de 2020

Aposta no Amor

Celinha havia participado de diversos casamentos, seja como dama de honra quando ainda era criança, ou como madrinha, já na vida adulta. Acumulava nessas duas funções treze casamentos, nenhum deles o seu. Mas acreditava piamente no amor. Em algum lugar estaria seu amado, e assim como nos filmes, em algum momento se encontrariam. Era uma questão de tempo.

Já estava com seus 35 anos, o que para os tempos de Nelson Rodrigues, seria descrita como uma senhora ainda bem bonita, cabelos pretos até os ombros,  pele clara e olhos cor de mel. Isso não é importante para história. Os tempos são outros. São? 

Era destemida na missão do amor. Participava de fóruns no Facebook, tinha todos os aplicativos nacionais e internacionais, não temia pagar em dólar. Sem filhos, a chefe de enfermagem tinha pouco tempo para diversão, então entre um plantão e outro, zapeava seus aplicativos, trocava mensagens, e pensava em toda uma vida que ainda não havia acontecido. Tinha nome dos filhos, o tipo de casa que gostaria de morar, como seria seu marido, e como viveriam o seu "felizes para sempre". Como ela mesma dizia, coisas boas acontecem com pessoas boas. E se tinha alguém bom neste mundo, esse alguém era a Celinha. 

Era mais um domingo enfadonho de folga quando um homem chamado Ben Backer a chamou no messenger do Facebook dizendo que havia amado sua carta de encorajamento aos soldados americanos. 

Há um mês ela havia escrito um longo texto falando sobre coragem, amor, e seu trabalho com a Cruz Vermelha na página da U.S Army no Facebook, e desde então vinha recebendo diversas mensagens de agradecimento. 

"Olá, estou no Afeganistão, vivendo tempos bem difícieis em Ghazni. O Talibã tenta destruir a nação pela força. Seu texto encheu meu coração de amor e esperança. Muito obrigada pelo carinho - Ben Backer"

"Olá, Backer. Espero que esta mensagem te encontre bem. Soube que ao menos 8 civis foram mortos semana passada por morteros no bairro de Naw Abad. Minhas orações estarão com vocês"

Foram dois meses de trocas de mensagens, fotos e juras de amor eterno. Celinha finalmente vivia seu conto de fadas. Tinham planos para quando Backer saisse do Afeganistão. 

E em março/20 saiu a notícia em todos os jornais que segundo um acordo assinado pelos Estados Unidos em Doha, todas as forças estrangeiras deveriam abandonar o Afeganistão em até quatorze meses. 

Nos planos do casal assim que isso acontecesse, Backer viria para o Brasil. Ele era órfão, perdeu os pais ainda criança, e passou a vida em um orfanato até ir para o exército americano. Vivia queixando-se da vida de militar, e que gostaria muito de ter paz. Viver num país sem guerras, com clima tropical, e ao lado da mulher de sua vida bebendo muitas caipirinhas em praias paradisíacas.

Naquela noite ambos comemoraram a notícia. E naquele momento Backer fez uma confissão:

- Meu amor, você confia em mim?

- Claro que sim. E você, confia em mim?

- Com todo o meu coração.

- Celinha, em um palácio em Cabul, eu e o Capitão Harris encontramos uma fortuna e iremos dividir o dinheiro com mais três soldados que irão nos ajudar numa missão de resgate. Esse dinheiro estava guardado lá, e nós estávamos esperando a notícia de que poderíamos finalmente sair do Afeganistão para regatar esse dinheiro.  Eu ficarei com U$ 5 millhões. Este valor precisa sair de forma clandestina daqui do Oriente Médio. Vou precisar da sua ajuda.

- Como assim? Como eu posso ajudar?

- Vou te mandar os US$ 5 milhões numa caixa. Mas pra isso preciso que você pague o envio, o valor é de U$ 807. Eu estou no meio da guerra, sem dinheiro algum para fazer isso agora. Você consegue fazer isso por mim?

- Claro.

Celinha foi bloqueada no messenger, Backer sumiu. Por vergonha de seus amigos e familiares, ela nunca registrou ocorrência. 


Texto da série - Era Cilada

sábado, 31 de outubro de 2020

O fake nerd

 Por questões antropológicas e sexuais eu ainda uso aplicativos de encontro. E por tédio não lia as descrições.Falha gravíssima. É na descrição que está o puro creme do milho verde. É lá que está o ouro do aplicativo. 

Botei reparo em muito perfil usando "nerd".

"Sou um nerd convicto" "Um pouco nerd" "É, sou nerd" e assim sucessivamente. 

Eu venho de uma longa linhagem de mulheres que admiram este lobo solitário de uma tribo renegada por décadas. O nerd, quando o Brasil ainda tinha mato,  era uma pessoa vista como excessivamente intelectual, obsessiva por assuntos que a maioria das pessoas não se interessa, e com falta de habilidades sociais. 

Aparentemente em 2020 a roupagem do novo nerd é outra, e ser nerd virou requisito na cultura do flerte. 

Viajado, coque desconstruído, barba, roupas da moda e de preferência sustentável, gosto peculiar por músicas, filmes, e séries que ninguém conhece, quando mais desconhecido, melhor. Um leve tom bucólico num texto quase parnasiano somado à cultura pop com carteirinha vitalícia da CCXP. 

Olha, até acho interessante. Devo admitir que dou meu like sem o menor pudor. Mas fica aí a denúncia. Isso não é nerd, porra!

O nerd raíz está interessado em pesquisa científica, já fez mestrado, doutorado, fala uma língua própria, continua tendo dificuldade em interagir socialmente e fora do padrão estético da sociedade. E sinceramente? Cagando para o padrão estético da sociedade. Talvez este cara nem esteja no Tinder. Sem tempo, irmão.

Talvez este cara esteja trancado em algum laboratório estudando e buscando uma vacina para o Covid. Talvez este cara seja doutor em virologia, e...Ai, chega, não vou falar do meu crush acadêmico....

Então, em defesa dos nerds que estão sem tempo para este tipo de papo. Irmão, você que coleciona boneco de super herói, sinto em informar, você não é nerd. Respeite o nerd raíz. 

sábado, 24 de outubro de 2020

O casting do seriado

É isso. Meses de pandemia, e assim como eu, uma galera já está de saco bem cheio - compreensível, né mores? Aí você faz uma lista de pessoas que você entende como "seguras", e vez ou outra faz aquele encontro tentando o distanciamento, todo mundo se confina uns 14 dias e depois se encontra, e assim tem sido a vida. Uma chatice sem fim. 

Notei nos últimos dias que meu nível de tolerância para esta temporada da vida já está quase zero. Eu quero renovar meu casting. Quero conhecer gente nova, quero ir no fumódromo, mesmo tendo parado de fumar, quero poder fingir que estou afim de alguém em minutos de prosa descomprometida, quero dizer "Vou ali buscar uma cerveja" e demorar horas para voltar para os meus amigos porque fiz 58 novos amigos no caminho, eu quero a temporada anterior de volta. 

Eu nunca tive saco para aplicativos de paquera. Nunca tive MESMO. Não consigo, não tenho talento, e nem muita paciência. Pra mim, abrir um app de paquera, é igual o Netflix, fico horas ali zapeando pra nada. 
Seguindo a linha coach, mudei meu "mindset", decidi ser mais paciente, puxar assunto, e brilhar (hahaha) como se fosse vida real, porque convenhamos que é o que tem pra hoje. Que derrota! 

Algumas ejaculações precoces, nudes, vídeos de punheta, homens que falam o peso da rola, deprimidos, viciados em remédios, e muito tempo gasto depois, eu ainda continuo nos aplicativos. E eu me pergunto "ATÉ QUANDO, VIVIANE?"!!!!!!

Hoje é sábado, e me deu uma vontade de ser irresponsável, ir pra aglomeração, ver gente DIFERENTE, sei-lá. Vocês sabiam que até as casas de swing abriram? Em choque fiquei. Como se mantém um sexo casual com distanciamento? Se alguém souber como anda este tema, me conta que eu fiquei curiosa.

Eu não sei como está a temporada "Pandemia" de vocês, mas devo dizer que a minha anda mais parada que novela ruim do SBT. Sem fatos novos, e doida por uma renovação. Acho que vou cortar o cabelo. 

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

A galera do óculos de grau

 Eu não se de onde tiram essa galera de óculos de grau em apresentação de empresa. Essas imagens do banco de imagens está bem fora da realidade de muitas empresas.

Uma galera branca, que teve oportunidade de usar aparelho ortodôntico desde que nasceu, sobrancelhas feitas fia a fio, não tem um preto, e quando tem, o colorismo impera. É o que eu chamo de preto social, aquele "passável". Nada contra, meu pai até era socialmente passável. Já minha vó, neta de escravo, não passa não. Mas não é sobre isso este post. Eu nem tenho lugar de fala, quer dizer, nunca sei se tenho. Essa é a confusão mental da minha vida. 

A galera de óculos, bem vestida, com a pele sem uma porra de uma espinha, ou marcas de acne, falam uma língua que é uma mistura do inglês com português. E sério, na nossa língua tem nome pra tudo. Realmente não consigo entender o famoso Accountability, que em tradução literal significa "prestação de contas". Um dos pilares da empresa é ser Accountability. É assumir riscos, ir além dos meus limites, administrar a grana da empresa como se fosse minha (mesmo não sendo), ser meu próprio CEO, seja lá o que isso signifique. 

Mas também não é sobre isso este post. Então é sobre o quê, caralho?

Sobre o que eu quiser porque este blog é meu, e é isso. Estou sendo CEO aqui.

O post é pra dizer que eu não entendo o banco de imagens que as empresas usam. E, se eu dependesse de ser a cara da galera do banco de imagens, eu estaria desempregada por não estar no padrão de beleza da empresa. E de idade? Nem se fala. Não tem uma pessoa 40+ nas fotos. E quando aparecem, tem tanto Photoshop que passariam por 30.  

Enfim, é essa minha indignação do dia.

Passar bem.

Sejam CEO´s.

sábado, 26 de setembro de 2020

Vibrador e a Guerra Infinita

 Eu acho que poucas vezes vi o texto da Mariliz Pereira Jorge gritando tanto na minha timeline. 
Sei que vivo numa bolha cheirosa, querida e cheia de pessoas que o algoritmo me deu. E, sério, seu algô estamos em paz.

Voltando a Marliz. Como ela mesma disse, estamos em 2020  e ainda discutindo o direito da mulher ter prazer. Afe! Que luta infinita. Isso sim, é Guerra Infinita. E é uma Guerra Infinita bem chata. O Homem de Plástico é atacado o tempo todo. Espero que ele não siga a mesma trajetória do de Ferro. Resista, Homem de Plástico. Marvel, fica aí essa SUPER dica. Homem de Plástico e Mulher Buceta contra....aí fica em aberto para vocês escolherem os inimigos, são vários. Vai desde a igreja à minha vó. 

Eu nem me lembrava mais do meu primeiro. Tive que fazer um esforço danado para lembrar. Foi na faculdade quando fiz um vídeo sobre sexo numa loja do Ponto G, e acabei comprando. De lá pra cá, as pessoas trocam de carro, eu troco de vibrador. E já tive de todas as cores, tamanhos, vibrações...Me sinto o Martinho da Vila neste momento. 

Sou a mulher das dicas de consolos (sic). Aliás, consolo é um nome bem péssimo. Ninguém está com seu vibrador porque não consegue coisa melhor. Vibrador não é prêmio de consolação. 

Vibrador é um lance nosso. Coisa nossa!

Vi um monte de esquerdomacho postando o texto da Mariliz como quem diz "Olha, eu sou liberalzão do dildo", como se isso dependesse da aprovação dele. Como se estivesse fazendo um favor. "Sou tão desconstruído que dei um pra minha mulher". Para, né galera? Eu não fico defendendo o direito à punheta. Isso já acontece desde que o mundo é mundo. E é tão natural que nem é pauta. 

Então, só acrescentando o que a Mariliz já disse "Vibrador é vida. E eu não preciso da aprovação de ninguém pra usar"

Existe todo um universo dentro da jóia da alma.

(Toma essa referência nerd para satisfazer o prazer hetero e uma analogia para facilitar o texto).


sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Gregorio Duvivier

 Eu sempre achei chique quem faz carta aberta. Textão eu acho um porre. O textão já pressupõe que vai vir uma sequência infinita de cagação de regra. É tipo mandar um "com todo respeito". Toda frase que começa assim, vem acompanhada de uma cagação de regra e crítica.

Depois deste início, sem respeito algum, Gregório Duvivier é meu crush artístico

Se você não sabe o que é isso, é porque não tem nenhum.  Crush artístico é uma admiração pelo trabalho, e ponto final. 

Não vou pendurar fotos do Greg sem camisa pela minha casa (Saudades, Capricho!), muito menos fazer coração com as nossas iniciais. E Deus me livre querer que ele se separe da Giovanna Nader. Vida longa ao casal! É só admiração pura e simples.

Nossa relação começou logo depois de eu ter terminado com o Xico Sá (2016). Xico virou aquele ex que a gente tem carinho, admira e tals, mas não vai atrás. 

Hoje estava colocando em dia a leitura das colunas que eu gosto, e vi um texto dele falando dos poucos amigos. Ali deu uma tristezinha no coração.

Sempre soube que ele não era o Gregão da Massa, mas ali veio a confirmação. A sentença de que nunca vamos sentar no botecão, tomar cerveja de garrafa, e falar sobre uma visão mais progressista para o Brasil. Não poderei contar sobre meus Greg News favoritos, sobre o quanto eu achei Sisifo genial, da minha vontade de estar no Loló, do comportamento mais sustentável, da mulher foda que ele arrumou, mesmo depois da Clarice, que eu já achava foda (!!!), da cara de cansaço que ele faz para falar de alguns assuntos que já deveriam estar resolvidos como a "academia esquerdista", sobre o quanto o Porta já foi interessante, sobre meus amigos de teatro acharem que você viria morar em SP num apê ali do centro, e de tantos outros temas que duas garrafas de cerveja não seriam suficientes. Era para ser um engradado, Greg. Era pra gente ser amigo, cara. 

Tudo isso chegou ao fim com a leitura da frase final da crônica.

"Nos últimos meses, tenho gostado de falar apenas com os amigos de que gosto muito. Tem poucos, raros amigos —o homem atrás da máscara e do face shield. É bom também".

Xico, me liga. Precisamos voltar a falar. 

terça-feira, 16 de junho de 2020

2020 Aniversário Covid

Desde muito criança, quando me dei conta do que era aniversário, comecei a ser uma grande entusiasta da data. Não adianta tentarem me convencer, não existe data melhor que aniversário. 
Eu  amo aniversário, e não consigo entender quem não ama. 

Gosto da ideia de retrospectiva e do tanto que mudei ano após ano. A sensação de que nada é eterno e que a gente precisa apoveitar muito. E, que mesmo nos momentos não tão felizes, a certeza de que vai passar, pois assim como eu, nada é eterno. 

Da zoeira, da patifaria, do deixa disso, esse sempre foi o meu lema. Mas se tem um negócio que eu aprendi a valorizar, é carinho. Tenho um jeito meio toscão de demonstrar carinho, mas sou imensamente grata por todo o amor que recebo, e espero poder contribuir sempre porque essa troca é fundamental para a vida. Grata MESMO. GRATIDÃO RAÍZ. Gratidão quase GRATILUZ. 

Sempre penso que naquelas mal traçadas linhas de desejo de felicidades em redes sociais, houve um minuto que a pessoa dedicou para te desejar algo de bom. Exceto no LinkedIn que é a rede mais desumana do mundo, onde até o "Parabéns" já vem pronto. O truta não se dá ao trabalho de escrever "Parabéns" e a pessoa que recebe não precisa nem se dar ao trabalho de escrever "Obrigada", está tudo pronto. E isso pra mim diz muito sobre o mercado de trabalho, mas isso é para outro post. Hoje estou no momento gratiluz. 

Então é isso, né?

Gostaria muito de neste momento pandêmico ter aprendido algo novo. Não aconteceu. O que aconteceu mesmo foi a valorização do velho que eu tinha, e a certeza de que os laços de família, amizade, afeto e respeito deveriam reger o mundo. Se a gente se visse como uma grande família fraternal (incluindo a natureza que é CEO deste planeta), viveríamos melhor. 

Apagando a minha velinha virtual eu desejo amor e respeito para seguir adiante. Dignidade à todos os habitantes da Terra (que não é plana!), que possamos seguir na busca de melhoria como um plano de vida. Hoje eu sou melhor que ontem, e amanhã serei melhor que hoje, e assim que agradeço essa minha nova versão, deste novo ciclo.

Parabéns pra mim. Sigamos em frente. Obrigada, Vivi do passado. Bem-vinda, Vivi do futuro. 

quinta-feira, 11 de junho de 2020

90 dias disso aí, taokey?

Quando começou tudo isso aí, me mandaram plantar uma hortinha de apartamento, decorar a casa, fazer faxina, colocar as séries em dia, fazer exercícios, cozinhar e me alimentar melhor, escrever um novo clássico da literatura, ler um clássico da literatura, e eu sai meninona achando que iria fazer tudo isso, e ainda segurar meu emprego - porque vamos combinar que não tá fácil pra ninguém.

Passaram 90 dias, e tudo que fiz até agora foi virar assídua de lives que não servem pra nada, participar de videoconferências, vi memes e coloquei coisas que não vou comprar em carrinhos de compras virtuais.

E, de verdade, se eu não fiz nada que mudou a humanidade quando era mais fácil, não vai ser agora.

E de boas? Já tem clássico pra cacete. Vamos combinar que ninguém escreve mais nenhum clássico até todo mundo ler o que tem por aí.

A Arca fechou


Todo dia dos namorados eu era a rainha da piada ruim. Admito que era um misto de revanche por não ter sucumbido à ordem social em me relacionar com dor de cotovelo por nunca ter encontrado o mozão.

Mas os filmes, as séries, a propaganda e a vida, me fizeram aceitar a condição de que nem todo mundo andava pelo mundo em par, ou trio...

Virei defensora dos solteiros convictos, e passei a me colocar nesta categoria. O que é um perigo para mulhres. De solteira, você passa à solteirona, e logo na sequência, tia.

Mas guerreira que sou, nunca me dei por vencida, se sempre tinha o contraponto do "ser solteiro é foda!".
Chegamos em 2020 e não estava na minha lista de coisas da vida enfrentar uma pandemia. E foi neste momento que o jogo virou, né minha filha?

Foto no "Insta" no botecão do centro de São Paulo com os amigos? Isso Non Ecziste mais.

Acordar com maquiagem até no ânus depois de uma noite de show bom, e chegar em casa tão cansada que não se tem a dignidade de tomar um banho? Esquece.

Churrascão começando 3 da tarde e terminando 3 da manhã com a frase "deixa eu fumar só mais este cigarro antes de ir"? It´s over, baby.

Teatro, shows, jogos, passeios no parque, festa na casa dos amigos, exposições, sumiram do dia para noite sem ao menos a gente se despedir. Se eu soubesse que aquele 14 de março era uma despedida, teria tomados mais umas 5 saideiras, depois das 3 que já tinha tomado, e ficaria ali dando tchau para vida, abraçando os amigos, e tentando entrar nesta capsula maluca chamada quarentena.

Aqui, no auge dos quase 100 dias sem o mundo de opções, limitada à telas, já acho que talvez, só talvez, seria interessante dividir isso com alguém.

Noé constriu sua arca, colocou os bichinhos de par em par, e quem ficou de fora da arca tenta entender como entrar nesta arca sem levar vírus para todos.


quinta-feira, 14 de maio de 2020

Comunicação muito violenta

Desde 2018 eu notei que tenho entre alguns dos meus “chegados de rede social” um alinhamento forte junto ao berrante que clama os gados.
No começo eu achava engraçadinho. E por alguns momentos duvidei de tudo que aprendi, e fui atrás para ver se realmente a Terra era redonda, e é.

Então ficava pensando o que levaria essas pessoas que em algum momento da vida eu convivi, e até cheguei a gostar, serem tão alinhados com as ideias do presidente fascista.

Em 2018 eu tinha uma paciência invejável. Sempre debatendo com carinho, amor e empatia. Juro que eu tentava entender, nunca mudar a opinião ou entrar numa disputa para provar que eu estava certa.

Ouvi de tudo. E ouvi mesmo. Ouvi com atenção e dei a devida seriedade que as pessoas davam a temas como:

o Mamadeira de piroca. Realidade ou ficção?
o   Educação vem de casa. Os pais precisam ensinar seus filhos, isso não é papel da escola
o   “Na nossa época não se falava tanto de sexo” – Nesta eu perdi a linha e disse “POR ISSO VOCÊ FICOU GRÁVIDA AOS 16 ANOS!”
o   Eu não aguento mais 4 anos de PT
o   Está tudo muito solto. Precisamos de regras.
o   Essas bolsas acabam com o País. Ninguém quer trabalhar mais.


Poderia fazer uma lista gigantesca de tudo que ouvi em 2018. E usei a comunicação não violenta em todos os momentos.

Em 2020 em meio a uma pandemia, me arrependo de não ter dado um tapa bem dado na cara deste bando de filha da puta que votou no Bolsonaro com a premissa de “PT nunca mais” 

Agora esses porras choram porque vai ter Enem sem ter tido uma porra de uma aula decente. Pedem ajuda para não perderem seus empregos porque a economia está um lixo. E já estava, coleguinhas, 2020 não seria um ano incrível NEM FODENDO.
Ficam chateadinhos porque não temos um plano Federal para sairmos desta merda de pandemia.
Xingam o "presidente" porque não respeita a quarentena. 
Temos uma secretária da cultura, e SECRETÁRIA, porque a Cultura não merece um Ministério pedindo para sermos leves em meio a milhares de doentes e mortos. 
A ZONA DO CARALHO que está o Ministério da Justiça. Um quintal do Bolsonaro!
O Ministro da economia capengando porque não sabe o que fazer com a economia. O ultraliberalismo no meio de uma pandemia não funciona. Paulo Guedes é um meme do John Travolta perdido.
A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos pediu a PRISÃO dos Governadores pelo twitter e vem com a pérola de que poucos moradores de rua têm Covid porque ninguém pega nas mãos deles.
Abraham Weintraub arrumou confusão com a China, usou A TURMA DA MÔNICA para ser desrespeitoso, diz que o  Enem é uma competição e manda as pessoas simplesmente estudarem. É um "e daí?" para a maioria dos estudantes.
Aliás, este é o Governo do "e daí?"

Eu poderia passar horas escrevendo, HORAS! Porque eu estou bem puta. Então, seus GADOS DO CARALHO, TOMEM EM VOSSOS CUS. 
A culpa de termos o elenco da Fazenda no Governo, não é minha. Ufa, estava cansada de ser educada.

domingo, 5 de abril de 2020

Corônicas - Salvando o tédio


Já fazia alguns dias que não acontecia nada. Não sei bem quantos, pois aqui da quarentena a gente perde a noção do tempo. 
Aliás, que dia é hoje mesmo? Ah, sim! O septuagésimo domingo do ano.

Mas hoje, hoje foi diferente. Hoje era de fato domingo, e nos domingos a gente não espera muita coisa mesmo.

Ouço gritos e corro para janela. Não se cai uma pena neste condomínio sem que eu saiba. Essa é a nova regra. Institui desde a quarentena. Cuido da vida de todos os meus vizinhos com apreço e curiosidade.

Bem, não dava para ouvir muito bem do que se tratava. Sendo assim, me senti na obrigação de abrir a porta para ouvir melhor. Perdi o pingo de vergonha na cara que ainda me restava.
E basta um sair, para que todos possam sair de seus apartamentos.

Eu:  - É a vizinha do 4 andar? Quem é?

Até a quarentena, eu não fazia muita ideia de quem morava aqui.

Vizinha do 51: - Sim, ela é nova. Mudou recentemente.

Ouvimos bater de porta. Eu me viro para a vizinha do 51 e com as mãos faço “shiu”.

“Devolve meu celular, minha senhora!”, dizia o Jefferson – o zelador.

Ela gritava em alto e bom tom para que todos tivessem a oportunidade de ouvir.

EU SOU UMA MULHER QUE MORA SOZINHA! NINGUÉM BATE NA MINHA PORTA SEM INTERFORNAR, VOCÊ ESTÁ ME OUVINDO??????

Eu sei que alguns não tiveram a cara de pau de abrirem suas portas, mas neste momento notei que estavam em seus respectivos olhos mágicos de porta só observando.

Eu:  – Precisamos ir lá entender o que está acontecendo?
Vizinha do 51:  - Mas por que deveríamos fazer isso?
Eu:  - Você não ouviu? Ela sequestrou o celular o Jefferson. E só Deus sabe agora o que pode acontecer.

A mulher continuava gritando sobre morar sozinha, e ele ter batido na porta sem avisar.

Eu: - Jefferson, não tente pegar seu celular!
Jefferson:  - Mas Dona Viviane, ela não pode fazer isso!
Eu: - Não, não pode. Isso é um sequestro de celular. Chame o síndico.
Jefferson: - Acho que seu Roberto não está.
Vizinha do 51: - Eu vi ele saindo.
Eu: - Como assim? Seu Roberto é idoso. Deveria estar em casa!

Vizinha do 42 sai de sua casa para entender a confusão, e começa a gritar com a mulher que gritava. Começaram a se estranhar. Entendi que era um desafeto já instituído.
Vizinha do 42 diz que o Jefferson não pode pegar o celular porque é homem, mas ela é mulher e pode encher a cara da mulher que grita de porrada.
Nesta hora o vizinho do 44 também sai de sua casa para tentar segurar as mulheres que começaram a brigar.
Eu? Bem, eu só gritava: “Gente, isso é uma aglomeração! Isso é uma aglomeração!”
Todo mundo pegou em todo mundo, e começou uma guerra campal no quarto andar.

Por questões de saúde eu só dizia para chamar o síndico Seu Roberto.
A gritaria generalizada fez com o que o vizinho policial do primeiro andar subisse, e pedisse para ela entregar o celular, e para os demais dispersarem ou ia todo mundo para a delegacia.
O policial resolveu o caso. Ao chegar no meu andar, os vizinhos estavam todos do lado de fora aguardando atualizações.

Cada um de sua porta deu sua opinião sobre a briga, falamos de séries, filmes, coronavírus, demos risadas, ganhei um bolo fresquinho da dona Teresa, e entrei no meu apartamento com o sentimento de que a treta ainda vai unir o mundo.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Corônicas - Seu Silva e a quarentena.


Ele enlouqueceu. Foi esta a conclusão que a família do Seu Silva chegou.

Passaram dias pedindo a seu Silva que ficasse em casa, devido as circunstâncias, mas seu Silva se disse atleta. E sabe como é, um atleta tem no máximo uma gripezinha, um resfriadinho...

E não se sabe muito bem o motivo, mas naquela manhã de quarta-feira Seu Silva estava especialmente enlouquecido.

Colocou sua bermuda de domingo, a blusa do seu time do coração, e saiu com o carrinho de rolimã de seu neto.

- Pai, onde você vai?

- Viver a vida. Me deixa.
- O senhor consegue viver a vida aqui dentro de casa, por favor?

- Isso não é vida, Laura. Pelo amor de Deus, sabe. Eu já tenho 69 anos, sabe. Você não manda em mim. 

Saiu, bateu a porta, sem tempo de qualquer resposta da filha. Minutos depois, o telefone da casa toca. 

- Oi, Laura. É a Jurema. Tudo bom? Seu pai saiu de casa?

- Saiu. Nem sei o que dizer, pegou o carrinho de rolimã do Ian, e disse que iria viver a vida.

- Então, seu pai está descendo a rua aqui de casa sem parar de rolimã cantando alto e incomodando os vizinhos
.
- Desculpe, Jurema. Não sei o que fazer com ele. Já liguei para a psicóloga, falei com a professora de hidroginástica também. Ele adora a aula de hidroginástica, mas ela disse que ele estava faltando, o que eu achei um absurdo porque ele sai de casa sempre dizendo que está indo para aula.  

- Ai, Laura. Aqui também não está sendo fácil. Papai apareceu com uma tatuagem mês passado. Vira e mexe sinto um cheiro estranho do quarto dele. Acho que está até se envolvendo com maconha...

- Sério, Jurema? O que vamos fazer com nossos idosinhos, heim?

Durante a conversa das vizinhas Seu Silva chega em casa e grita logo da entrada.

- LAURA, PARA DE FOFOCAR NESTE TELEFONE! E só quero avisar que a Isolda vai vir aqui mais tarde, e não quero deselegância da sua parte. Ela é minha namorada e vai vir me ver quando quiser. E vai dormir no meu quarto, sim. Todo mundo que eu conheço está aproveitando a quarentena!

Laura desligou o telefone, correu até o Seu Silva, e fez o que deveria ter feito antes do surto do rolimã.

- Chega! Vai tomar banho, e vai pro seu quarto! VOCÊ NÃO É TODO MUNDO.

E foi assim que seu Silva entrou em quarentena.

terça-feira, 24 de março de 2020

Corônicas - Enzo, seu arrombado.

A mãe grita diretamente da cozinha, enquanto o pai resolve cortar as unhas dos pés no meio da sala.

- Eu ouvi a porta bater? EU OUVI A PORTA BATER? Quem é o filho da puta que está saindo de casa?

O silêncio permaneceu.

- Ernesto, seu merda! Além de cortar este casco, você consegue me passar informação de quem saiu de casa? Eu estou fazendo comida.

- Ninguém saiu, Norma. Ninguém saiu.

O pai não havia percebido que o filho havia passado pela porta de tão entertido que estava com o artesanato de suas unhas.

Mãe não dorme no ponto. Da janela da cozinha observou Enzo saindo do prédio indo em direção à portaria.

- SEU FILHO DUMA PUTAAAAAAAAAAAAAAAAAA! DÁ PRA SUBIR AGORA??? NINGUÉM SAI DESTA PORRA DE CASA, ESTÁ ME OUVINDO?????

Enzo grita da portaria fazendo com que todos vizinhos corram para a janela do condomínio.

- AQUI É RESISTÊNCIA, MÃE. NÃO PEGA NADA!

Dona Norma não deixa barato, e com o amor de mãe que lhe é nato grita de volta.

- ENZO, SEU ARROMBADO. EU QUERO QUE VOCÊ SE FODA. ESTOU PREOCUPADA COMIGO.

Agora os vizinhos se tocam que Enzo pode ser um transmissor potencial para todos os velhinhos do prédio e começam a interferir na briga.

Dona Julia do 72, uma senhora doce e meiga que costuma tomar sol no jardim do prédio tira forças de seus pulmõezinhos idosos e "grita":

- MENINO, SE EU PEGAR ESTA MERDA MEU NETO TE MATA, TÁ OUVINDO?

O Roberto do 92 também dá sua contribuição:

- VOLTA PRA CASA, SEU ARROMBADO!

E de repente numa comunhão nunca vista no condomínio Miraflores, todos vão às suas janelas com panelas, apitos, e em uníssono começam:

- NÃO SEJA INDELICADO, VOLTA PRA CASA SEU ARROMBADO!

Dona Norma vendo aquela comoção, gritou pra Ernesto que continuava fazendo suas unhas.

- Estão xingando nosso filho, Ernesto? Faz alguma coisa.

- Norma, ele já é adulto. Ele que se defenda.

Norma abandona o avental, e desce as escadas correndo. Ela não é doida de pegar o elevador.
Pega Enzo pelas orelhas, como se o adolescente de 15 anos tivesse 5 anos de idade novamente, levanta a cabeça para o condomínio, que continua gritando, e diz:

- O ARROMBADO É MEU, E SÓ EU POSSO CHAMAR ASSIM.

Norma joga Enzo dentro de casa. E diz:

- Passou a vida trancado nesta porra de quarto batendo punheta, agora quer sair? Deixa de ser do contra, seu arrombado. Entra neste quarto e não me enche o saco.

E assim começou a quarenta de Enzo.

Just me myself and I

Dia 19/03 eu tive uma crise de pânico. Um misto de falta de ar com sensação de morte que vão revezando entre eles até você surtar.

Eu tinha programado férias. No  momento em que eu escrevo eu deveria estar no Deserto do Atacama tomando cerveja com amigos e celebrando minhas férias.

Agora estou em casa, trancada, e vendo o mundo colapsar, e tentando não surtar. 

Lá no já remoto ano de 2001 eu desenvolvi uma crise de pânico. A sensação de que a vida está passando e eu ainda não havia ganho meu Nobel da Paz, sabe? 

Estava ficando velha, e não tinha realizado "nada". Dá um tom de desesperança, a impotência, e sem forças para continuar lutando. O ar falta. É um pico de ansiedade tamanho que a gente esquece do básico, respirar.

No dia seguinte fiz um zoom com alguns amigos, falamos um monte de besteiras, bebemos e demos muita risada. 
Quando desliguei aquele zoom, eu já estava com corona. Não, amigos, não estou com corona (ainda). Mas eu tinha todos os sintomas, principalmente a falta de ar. 

Eu moro sozinha, e comecei a pensar que se eu ficasse sem ar a ponto de falhar, eu morreria estatelada no chão, e com todos focados no corona, só lembrariam do meu corpo em meses, aí eu já estaria putrefada. E esses pensamentos não ajudavam. Foi aí que eu fui ao espelho, me olhei bem nos olhos e tive uma conversa bem séria comigo:

- SUA FILHA DA PUTA, PARA COM ISSO! VOCÊ JÁ SABE O QUE É. VOCÊ ESTÁ EM CRISE. TOMA UMA PORRA DE UMA ÁGUA E RESPIRA, RESPIRA, RESPIRA....

Fui acalmando. Liguei um mantra, acendi um incenso, e respirei.

Não, não faço yoga. Não, não medito com frequência, não faço relaxamento, não faço cazzo algum.
Mas minha cabeça sabe que isso é sinônimo de paz. E funcionou.

Acalmei. 

Sabe, não é fácil pra ninguém. Pra ninguém mesmo. E eu sei que não existe comparação. Cada um vai passar por este momento a seu modo. 

Dicas? Tem zilhões na internet. Só pesquisar. 

Mas ninguém, ninguém, NINGUÉM, ouviu? Te conhece melhor que você mesmo. Converse com você. Você vai saber o melhor caminho a tomar. 

Sério. Converse com você. Uma hora você vai descobrir que você é uma PUTA COMPANHIA FODA PRA CARALHO.

Boa quarentena, e eu vou voltar a escrever ;-)