domingo, 23 de outubro de 2011

Setenta e poucos anos

* Texto do finado "Tudo a Declarar"



As marcas em meu rosto chegaram. O mapa de uma bacia hidrográfica sem água, seca como o sertão. Os cabelos que outrora já foram volumosos, hoje são alguns poucos fios brancos que insistem em permanecerem em minha cabeça. Os dentes que me davam orgulho ao sorrir, hoje me envergonham. Tenho a boca de uma criança de dois anos, poucos dentes me restaram.

A semelhança com a criança não é apenas na boca. Está chegando o momento em que me colocarão fraldas. Já me levam ao parque para que eu possa “brincar” com os amiguinhos de minha idade. Agradeço à Deus por não me abandonarem em algum depósito de idosos, e me esquecerem.

Hoje acordei melancólico. Coloquei na vitrola Nelson Gonçalves. Fechei os olhos e voltei à juventude, a saudosa juventude. Tempos bons.

Era um tempo em que eu conseguia andar com as minhas próprias pernas. Tempo em que eu corria, ao invés de andar. Tempo em que eu ansiava para que o dia de amanhã chegasse o mais breve possível. Sempre ansiava pelo amanhã. Agora, aos 78 anos, anseio pelo hoje mesmo. O amanhã é incerto. Nunca conto com ele.

Gostaria que o tempo pudesse voltar. Acho que muitos têm esta vontade. Mas a minha volta ao tempo não seria para mudar nada. Gostaria de voltar para poder reviver os momentos bons.

O dia em que passei no vestibular da São Francisco, o casamento com Amélia, o nascimento de Antônia...

Lembro do dia em que Antônia aprendeu a andar de bicicleta. Depois de algumas voltas no Ibirapuera, ela olhou pra mim, e me agradeceu por ter dado aquele presente. Disse que eu era o melhor pai do mundo.

Talvez eu fosse mesmo, ao menos para ela. E ser a melhor pessoa do mundo para alguém de 5 anos, é algo mágico. Te dá poderes de super-herói. Acho que naquele dia eu poderia por uma capa vermelha, e voar.

Brigite, minha amiga de cartas, morreu no mês passado. Duas semanas depois, Antenor, seu esposo, morreu também. Já não tenho mais mãe e pai, justamente agora, a hora em que eu mais preciso ser cuidado. Todos que eu gosto estão morrendo. O que me mostra que em breve será a minha vez.

Pela janela observo as crianças brincando no playground. Decido descer para vê-las de perto. Sento no banco e as observo por alguns instantes. A bola veio em minha direção. Tive vontade de chutá-la, de correr com as crianças, mas meu corpo não agüentaria tal estripulia. Devolvi a bola com a mão mesmo.

- O senhor gostava de brincar de bola quando era criança?

- Sim, bastante.

- E não brinca mais?

- A idade não me permite.

Ele sorriu e saiu saltitando ao encontro dos amigos que o esperava. Pareceu entender que aquele era o momento dele, era o momento de aproveitar a sua infância.

Os adultos já não me entendem mais. Cada dia que passa tenho a nítida sensação de que a sabedoria habita naqueles corpinhos pequenos e desajeitados. A vida adulta é um sono de profunda ignorância. A velhice, o momento em que descobrimos que a vida só valeu a pena porque saltitamos para brincar com os nossos amigos.

Destino - Karma - ou seja lá o que for

Eu sou uma boa pessoa. Apesar de nem eu mesma acreditar nesta frase, eu sou.

Ajudo os médicos sem fronteira todo mês, não desperdiço água, faço colota seletiva de lixo, pago minhas contas em dia - quando dá, amo o próximo, principalmente se ele for a cara do Matthew Mcconaughey. Sou uma boa amiga. Sou generosa. Dou bons presentes...

Então a pergunta que não quer calar é: "Cadê-a-porra-do-karma?" Ele existe? Hey, Seu Dalai? Tem como ajudar aqui?

Falando sério, não sou invejosa. Quero que todo mundo seja feliz (ok, todo mundo menos uma lista de doze pessoas que merecem mil facas no ânus e sangrar até morrer). Só que agora eu vou dizer uma coisa que vai soar como um argumento de uma criança de cinco anos se jogando no chão no supermercado. Igual aquele moleque que quer chicória (nunca tinha escrito esta palavra na vida):
E eu?
Sério. E eu? Há tempos que eu fico feliz pelos outros. Quando é que eu vou poder ficar feliz por mim?

Posso não me emocionar vendo Criança Esperança, e até tirar sarro do Teleton com piadas de humor negro. Posso não dar esmola aos meninos que fazem malabares. Posso, inclusive, querer colocar a perna para que eles caiam, ou ainda querer que eles sofram queimaduras de primeiro grau, jamais de segundo! Posso, acidentalmente, chutar crianças no shopping ou até beliscá-las na fila do Mc Donald´s. Posso sentir um prazer sádico ao ver as pessoas em filas quilométricas como a do Poupatempo em um calor senegalês de São Paulo. Posso ser horrível às vezes, especialmente às segundas-feiras, antes de tomar café. Mas eu sou uma boa pessoa.

E de verdade, estou ficando de saco cheio de não ser recompensada pela excelente pessoa que sou.

Eu leio!

É, meu bem, não vou te enganar não. Sei do teu passado todo. E ele te condena.

Li os comentários constrangedores sobre uma seita secreta que você gostaria de fazer parte, mas não pode.

Joguei seu CPF na Receita Federal, e pedi para meus amigos policiais levantarem sua ficha e sei do seu Atentado ao pudor na praia de Salvador no carnaval. Sim, vi você vestido de abadá com cara de bêbado.
Sei que tentou passar em medicina. Sei que nunca passou e decidiu fazer Comunicação Social.

Vi suas fotos no fotoblog de uma menina que chama as amigas de "miguxas", e lamentavelmente acredito que ela seja sua namorada. E se não for, foi um dia. E se for, você é corno, porque vi a foto dela no Facebook com um cara, que devo dizer, é melhor que você.

Sou viciada em pesquisar a vida alheia. E pode ser a vida de alguém que eu nunca vi. Clico num link, que cai em outro, e noutro, noutro, e quando vejo, já sou amiga de infância de um completo estranho.

Não fuço ninguém por maldade. Fuço simplesmente porque posso. Porque tenho os dedos mais rápidos do Oeste.

Porque não adianta fugir. Quem tá vivo, ou até mesmo morto, está no Google. É só jogar o nome!

Então fica aí o recado para os que gostam de inventar pseudônimos para dizer coisa feia na internet, ou ainda comentar em tudo que é espaço, seguir, adicionar, clicar e todo este cybervício. Saiba que assim como você, exitem doentes não anônimos, que fazem isso. Veja eu, por exemplo. Quem diria, heim?

Psicótica, sim eu sou!

Psicose é um estado psíquico no qual se verifica certa "perda de contato com a realidade". Nos períodos de crises mais intensas podem ocorrer (variando de caso a caso) alucinações ou delírios, desorganização psíquica que inclua pensamento desorganizado e/ou paranóide, acentuada inquietude psicomotora, sensações de angústia intensa e opressão, e insônia severa.
Surgem também, nos momentos de crise, dificuldades de interacção social e em cumprir normalmente as actividades de vida diária.

E é na questão de "dificuldade de interacção" que gostaria de me ater neste momento. Não consigo mais. Em alguns momentos posso até me tornar agressiva. Principalmente nas "baladas". Primeiro, não tenho mais idade, e muito menos saco, pra baladas. Acho um pé no saco. Mas graças à frase: "Ele não vai bater na sua porta", ainda me sujeito a isso. Mesmo que ele não bata à porta, aliás, quero muito que o tal ele se foda muito, não saio mais. Não gosto, e não vou mais me forçar a isso. Agora não sei se isso é fruto da minha psicose, ou se eu realmente cheguei a um estado hermitão avançado que não me permite mais o convívio social.

Tudo que envolve o "sair no final de semana" me irrita profundamente.
- Escolher uma roupa que me deixe mais magra, normalmente um pretinho básico.
- Mais de uma hora tentando fazer meu cabelo ficar bom.
- Quilos de maquiagem pra esconder imperfeições.
- Trânsito maldito e flanelinhas saqueadores.
- Fila pra entrar, fila pra beber, fila pra sair, fila pra pegar o carro no estacionamento, caso consiga achar um vazio.
- As mulheres parecem estar na vitrina (prefiro escrever vitrine), e os caras passam e escolhem a roupa que mais chamará a atenção dos outros caras. Desfilam com ela a noite toda, e devolve para as amigas.
- Dormir maqueada e acordar feito um panda.
- Acordar de ressaca como se mil elefantes tivessem passado por cima da minha cabeça, e como se fosse um milagre, eu sobrevivi.

Chega, não quero mais. Estou jogando a tolha. Sim, meus amigos, depois de muitos anos na calçada, estou tirando meus saltos altos, comprando pantufas, um bom pijama, acompanhado de um ótimo vinho, boa música audível - coisa rara na noite hoje - e aceitando que não quero mais!

Sim, a fase adulta chegou. Não sei se comemoro, mas pelo menos aceito.
Dignidade, é isso que quero pra mim. Se sou psicótica? Acho que sim! Se convivo bem com a minha psicose, totalmente. Demorei para aceitá-la, mas depois de ontem a noite, ela sempre é bem-vinda.

Olá, pantufas! Olá, Sinatra! Olá, baile da saudade! Aqui vou eu!

domingo, 2 de outubro de 2011

Axl Rose

Hoje tem Axl Rose no Rock in Rio. Não posso dizer que será o Gun´s n Roses como todos querem acreditar. A banda não era só o Axl. Hoje sobrou somente Axl e Dizzy. Sendo assim, entendo que será um show do Axl. E mesmo só com o Axl, pode ser bom.

Tirei a manhã para ouvir Guns. E para os dias de hoje, ainda é bom. Qual banda faz o que Guns fazia? Nenhuma. Não existe mais banda de rock. Existe banda que vende discos. O rock está falecendo. Existe o rock progressivo, rock alternativo, rock melódico, rock gótico, rock com azeitonas, e etc, mas somente rock, este está difícil. Quando os titios e vovôs do rock se aposentarem de vez, o que vai sobrar? Talvez NXZero. E a gente merece isso? Não, não merecemos.

E por mais que o Axl seja insuportável, ele me faz lembrar um tempo em que existia somente o rock.

A gravação de "Sympathy for the Devil", bem como a tensão entre Axl e Slash, levou Slash a deixar a banda oficialmente em Outubro de 1996. Matt Sorum, foi demitido em abril de 1997 e, em seguida, o baixista Duff McKagan, se demitiu da banda em agosto de 1997. RIP Guns n Rose pra mim.

Axl lançou moda, criou polêmica, brigou com todo mundo, agora namora a Ellen Jabour, mas deixou um legado de músicas muito boas.

Não vou esquecer do álbum "The Spaghetti Incident?" que me fez ir ao Carrefour a noite comprá-lo assim que foi lançada. Disco que ouvi até riscar. Sim, os discos riscam. E dá uma vontade enorme de chorar.

Axl é performático, briguento, arrogante, e às vezes insuportável, mas mesmo assim vou esperar ele subir ao palco do Rock in Rio. E não me surpreenderá se fizer uma apresentação memorável. Porque apesar de não ser mais o sex symbol da minha adolescência, o cara tem uma coisa que está faltando nos dias de hoje, talento.

sábado, 1 de outubro de 2011

A vitimização baiana

Cláudia Leitte mandou mal no Rock in Rio. E o fato dela ser baiana e tocar axé, não tem nada a ver com isso. É tão difícil assim aceitar críticas com dignidade sem se fazer de vítima? "Porra, mandei mal". E daí?

O problema de Cláudia Leitte é não aceitar críticas nunca. E por não aceitar, numa tentativa bizarra de tentar agradar, resolveu foder com Rolling Stones. O maior erro do ser humano é querer agradar todo mundo o tempo todo. Isso não existe.

Não gosto de axé. E por isso eu não gosto de baianos? Quem disse que só tem axé na Bahia? Vi muita banda boa de rock na Bahia. A questão não tem nada a ver com preconceito, como Cláudia Leitte quer fazer parecer.

Vaiar uma pessoa é a MAIOR falta de educação do mundo. Não gostar é um direito de todos, desrespeitar não. E Cláudia Leitte, me desculpe, mas as suas colocações foram de uma falta de respeito sem limites. Não se responde uma crítica falando mal dos outros. Aceite a crítica, aprenda com ela, e siga em frente.

Ontem Ivete deu as caras no Rock in Rio. Não fez acrobacias, não tentou agradar um público que não é o dela. Fez o que sempre faz. E a honestidade do trabalho gerou respeito. Não achei um show fantástico, até mesmo porque, como já disse, não gosto de axé. Mas foi um show respeitoso. Respeitar nossos limites, convicções, e acreditar naquilo que fazemos, fazem a diferença.

Vamos descer do ringue, divas do axé. O lugar de vocês é no trio elétrico animando quem gosta do som de vocês. Não vejo o Metálica cantando no trio elétrico. Mas se acontecer, eles vão tocar rock, e seja lá o que Padim Ciço quiser.

O pessoal da dança do caranguejo não vai bater cabeça. O pessoal que bate cabeça não vai fazer a dança do vampiro. E cada um no seu quadrado respeitando as diferenças.