segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Avião

 Eu tenho um ranço fenomenal de gente que tira selfie em avião. E junto com ele o ranço de foto da asa. 

Na verdade eu tenho ranço de todo o ritual da viagem em si. Não acho chique! Não acho divertido. E me dá gatilho de pânico.

Mesmo sem saber pilotar, eu acho que eu vou conduzir aquela bodega melhor que qualquer piloto. 

O nome disso é controle. Eu sou uma pessoa hiper controladora, e cheia de manias. A velhice só piorou tudo.

Lembro da minha inocência infantil quando viajava com a minha mãe nas férias de final de ano. Tinha a roupinha do aeroporto pra chegar bem vestida na casa dos parentes que eu via uma vez por ano e olhe lá. Eu curtia. Queria sentar na janela, e amava viajar a noite (que era mais barato) pra ver a lua. Como viajávamos no verão, sempre tinha noites bem lindas. Era um evento. Era minha parte favorita da viagem. 

E por esta memória afetiva, eu fiz curso de comissária. E, depois de vários processos em que fui reprovada por algum profissional de saúde mental excelente, eu entendi o motivo.

Foi num verão de 2009 em que decidi passar uns dias em Salvador. 

A aeromoça me entregou uma criança. Sim, ganhei um companheirinho que estava viajando em carreira solo. Com todo meu conhecimento de aeronáutica, fui puxando assunto com a criança e contando como funcionava o avião. Ele estava apreensivo. E eu como adulto responsável que sabia tudo sobre nuvens, comecei a explicar porque estava balançando. A criança foi ficando segura. Uma hora eu avistei uma nuvem bem preta "Aquela ali é uma CB!". Não terminei de falar. O avião virou um labamba desgovernado. 

Eu como adulta, continuei acalmando a criança, até que toda minha maturidade foi se esvaindo e comecei a chorar copiosamente. O que foi seguido pelo choro da criança e de mais umas crianças que também estavam no vôo. 

Não me segurei. Acho que até me mijei um pouco, se não me engano. 

Enfim, quando finalmente pousamos, eu sabia que ali eu tinha traumatizado uma criança. Uma não, uma dezena que estava no vôo de férias.

Depois deste dia, nunca mais mantive a dignidade em avião. E aqui vai a minha lista de indignidade:


  • Eu não tiro foto em avião ou aeroporto 

  • Se tem padre ou freira eu fico apreensiva

  • Conto a quantidade de crianças e  no vôo porque eu sou uma merda de pessoa, mas Deus é gentil com crianças.

  • Não respondo mensagens de Whatsapp antes do voo porque não quero que isso seja usado em post cafona como "Nossa última conversa"

  • Eu não agradeço quando dizem "Boa viagem". Isso eu nem sei explicar. Hoje o moço do Uber ficou no vácuo. 

  • Baixo 50 filmes pra voos curtos, mas só consigo ficar abraçada com o celular.

  • Não dou descarga sentada na privada do avião porque desconfio que meus órgãos vitais serão sugados.

  • Sempre olho quem está sentado ao lado e penso na música do Belchior  "Foi por medo de avião que segurei sua mão" 

  • Tomo 2 Rivotril em voos longos e 2 Dramin em curtos. 


Eu poderia fazer uma lista infinita, mas acho que já dá pra entender meu nível de pânico. 

Escrevi este texto dentro de um avião com apenas UM Dramin e só escrevi porque tem 23 crianças neste vôo + 2 grávidas.

E enquanto eu escrevia isso, o piloto avisou "Chegamos 25 minutos antes do previsto"

Pensei "Ae, seu arrobado! Parabéns. Com certeza eu não faria melhor".