domingo, 8 de novembro de 2020

Aposta no Amor

Celinha havia participado de diversos casamentos, seja como dama de honra quando ainda era criança, ou como madrinha, já na vida adulta. Acumulava nessas duas funções treze casamentos, nenhum deles o seu. Mas acreditava piamente no amor. Em algum lugar estaria seu amado, e assim como nos filmes, em algum momento se encontrariam. Era uma questão de tempo.

Já estava com seus 35 anos, o que para os tempos de Nelson Rodrigues, seria descrita como uma senhora ainda bem bonita, cabelos pretos até os ombros,  pele clara e olhos cor de mel. Isso não é importante para história. Os tempos são outros. São? 

Era destemida na missão do amor. Participava de fóruns no Facebook, tinha todos os aplicativos nacionais e internacionais, não temia pagar em dólar. Sem filhos, a chefe de enfermagem tinha pouco tempo para diversão, então entre um plantão e outro, zapeava seus aplicativos, trocava mensagens, e pensava em toda uma vida que ainda não havia acontecido. Tinha nome dos filhos, o tipo de casa que gostaria de morar, como seria seu marido, e como viveriam o seu "felizes para sempre". Como ela mesma dizia, coisas boas acontecem com pessoas boas. E se tinha alguém bom neste mundo, esse alguém era a Celinha. 

Era mais um domingo enfadonho de folga quando um homem chamado Ben Backer a chamou no messenger do Facebook dizendo que havia amado sua carta de encorajamento aos soldados americanos. 

Há um mês ela havia escrito um longo texto falando sobre coragem, amor, e seu trabalho com a Cruz Vermelha na página da U.S Army no Facebook, e desde então vinha recebendo diversas mensagens de agradecimento. 

"Olá, estou no Afeganistão, vivendo tempos bem difícieis em Ghazni. O Talibã tenta destruir a nação pela força. Seu texto encheu meu coração de amor e esperança. Muito obrigada pelo carinho - Ben Backer"

"Olá, Backer. Espero que esta mensagem te encontre bem. Soube que ao menos 8 civis foram mortos semana passada por morteros no bairro de Naw Abad. Minhas orações estarão com vocês"

Foram dois meses de trocas de mensagens, fotos e juras de amor eterno. Celinha finalmente vivia seu conto de fadas. Tinham planos para quando Backer saisse do Afeganistão. 

E em março/20 saiu a notícia em todos os jornais que segundo um acordo assinado pelos Estados Unidos em Doha, todas as forças estrangeiras deveriam abandonar o Afeganistão em até quatorze meses. 

Nos planos do casal assim que isso acontecesse, Backer viria para o Brasil. Ele era órfão, perdeu os pais ainda criança, e passou a vida em um orfanato até ir para o exército americano. Vivia queixando-se da vida de militar, e que gostaria muito de ter paz. Viver num país sem guerras, com clima tropical, e ao lado da mulher de sua vida bebendo muitas caipirinhas em praias paradisíacas.

Naquela noite ambos comemoraram a notícia. E naquele momento Backer fez uma confissão:

- Meu amor, você confia em mim?

- Claro que sim. E você, confia em mim?

- Com todo o meu coração.

- Celinha, em um palácio em Cabul, eu e o Capitão Harris encontramos uma fortuna e iremos dividir o dinheiro com mais três soldados que irão nos ajudar numa missão de resgate. Esse dinheiro estava guardado lá, e nós estávamos esperando a notícia de que poderíamos finalmente sair do Afeganistão para regatar esse dinheiro.  Eu ficarei com U$ 5 millhões. Este valor precisa sair de forma clandestina daqui do Oriente Médio. Vou precisar da sua ajuda.

- Como assim? Como eu posso ajudar?

- Vou te mandar os US$ 5 milhões numa caixa. Mas pra isso preciso que você pague o envio, o valor é de U$ 807. Eu estou no meio da guerra, sem dinheiro algum para fazer isso agora. Você consegue fazer isso por mim?

- Claro.

Celinha foi bloqueada no messenger, Backer sumiu. Por vergonha de seus amigos e familiares, ela nunca registrou ocorrência. 


Texto da série - Era Cilada