Levanta que hoje é domingo. Me dói só de pensar que quando
eu era criança, eu gostava do domingo. Gostava muito. Hoje, quando abri os
olhos, e lembrei que era domingo, tentei
lembrar porque eu gostava deste dia.
Eu abria os olhos, não pensava duas vezes, e saia correndo.
Tinha uma disponibilidade atroz para fazer isso. Sem pestanejar, pulava na cama
dos meus pais que ainda estavam sonolentos. Nunca recebi nenhum tipo de
repreensão por este comportamento. Muito pelo contrário, era bem recebida na
cama deles. E começava a cantoria:
"Hoje é domingo, pede cachimbo (eu sempre cantei pé de
cachimbo - descobri recentemente a versão correta), o cachimbo é de ouro, bate
na gente, a gente é fraco, cai no buraco, o buraco é fundo, acabou-se o
mundo!!!!!"
Levantávamos e eu ia com meu pai até a padaria. Tinha as
comidas de domingo. Neste dia era
possível escolher um sonho para comer mais tarde, e antes do almoço!!! Doce
antes do almoço. O pão era fresquinho, e eu adorava mortadela com café e pão
fresquinho. E domingo era este dia. Tinha mesa do café. E ficávamos lá um
tempão. Depois eu e meu pai íamos
brincar, minha mãe cuidava das coisas, e já iniciava os preparativos para o
almoço. Sempre massa. Não sei se gosto de massa tanto quanto eu acho que gosto,
ou se pela memória afetiva dela.
Vinha tios, tias, primos, primas da minha idade, eu tinha um
quintal grande e uma bicicleta. O que mais eu poderia querer da vida?
Meus pais eram jovens, faziam planos de mudar de casa,
compartilhavam com meus tios, falavam do meu futuro quarto. Enfim, ali era a
perfeição. Não tinha dúvidas de que era feliz. Aliás, criança não questiona
felicidade. É feliz e ponto.
Hoje eu acordei com preguiça. Não é habitual. Acordo cedo,
disposta a fazer mil coisas do dia. Eu me programo para ter muitas coisas no
dia. Hoje foi diferente.
Preparei meu café lentamente. Olhei ao redor e estava
sozinha. Sem bicicleta, sem tios, tias, primos, primas, sem o cheirinho de pão
fresco (compro pão de forma, mais prático), sem aquela leveza que eu costumava
ter. E, realmente, me senti sozinha. Me senti absurdamente sozinha numa manhã
de domingo. E não adiantaria sair, não adiantaria ligar para alguém, eu estava
sozinha. E eu, que ja tive medo do escuro, que tinha medo de ficar sozinha,
estava sozinha.
Os dias da semana continuam iguais. A gente que muda a forma
de vê-los.