Desceu a estreita rua sem olhar para trás.
Não tinha mesmo o que olhar. O passado não interessava mais. Serviu para aprender as tais lições da vida, e só.
Sentia um vento de chuva em seu rosto. O cabelo foi jogado no rosto. Nem tentou arrumar. O que era um cabelo bagunçado perto da confusão que estava sua vida? Ele era o retrato fiel da desorganização que estava sua cabeça.
Talvez devesse avisar a polícia. Mas dizer o quê?
Talvez devesse voltar e arrumar as coisas, ou ao menos vesti-lo.
Achou melhor deixar os mortos para lá.
O cheiro de sexo, cigarro e vinho barato.
Eles estavam no sofá laranja. O sofá que ela havia comprado em uma feira de móveis e parcelou em 10 vezes. Agora ele estava manchado de sangue. Nem tinha terminado de pagar as prestações.
Se João Gilberto soubesse o tipo de gente que anda transando com sua música de fundo, nunca mais tocaria. O que não seria de todo ruim.
Sempre achou que ele, ao menos, respeitaria a sua casa. Mas não foi o que aconteceu.
Naquela terça-feira, final de tarde, ao chegar mais cedo do trabalho, dá de cara com aquela cena bizarra.
Ele estava com uma sunga de couro e um capuz preto no rosto. Os braços amarrados. Apanhava bastante com um chicote de couro.
Não dava para acreditar na cena.
Aquele olhar ela nunca vai esquecer. Ele sem palavras, com os olhos cheios lacrimejando. Pediu para que seu companheiro fosse embora.
Eles brigaram. E ela ouviu o primeiro tiro. Depois o segundo tiro mais abafado dentro da boca.
Os dois corpos nus jogados no sofá laranja.
Desligou o som, e saiu. Desceu a ladeira. Quando a ladeira acabou, ela sentou no chão, acendeu um cigarro e disse:
- Porra, João Gilberto.