terça-feira, 11 de março de 2008

Quatro mãos

Um dia desses recebi um e-mail de um leitor deste blog.
Leitor este que eu não conheço pessoalmente, como a grande maioria que acessa este blog.
A proposta era bem interessante. Fazermos uma história juntos. Ele começou um parágrafo, eu continuei, depois mandei para ele, e assim foi durante mais de uma semana.

Muitas coisas legais acontecem por meio deste blog. Uma delas é "conhecer" pessoas.
Queria agradecer aos que não comentam aqui, mas fazem questão de mandar um e-mail falando sobre os textos, contando suas histórias, criticando, ou apenas elogiando este emaranhado de letras.

É muito bom ter contato com pessoas que eu jamais conheceria no mundo real. Afinal, muitos nem moram na minha cidade, São Paulo.

Obrigada por visitarem, lerem e comentarem neste espaço.

O texto ficou sem nome. Pensei em diversos. Mas achei que seria interessante deixar que os leitores deste blog dessem nome à criança.

Eis o texto feito a duas mãos com Fernando Amaral - dono do Quodores e Os Bolonistas.


Li o teu bilhete, várias vezes. E a cada nova linha relida ainda havia o estranhamento. De algo que não percebi. Não entendi. Compreendi então a irreversibilidade. Que palavra difícil numa relação, coisas que não mais se movimentarão. Um fim. Um outro começo.
Começo de algo que eu simplesmente não saberia definir. Estava perdido.

Na sala de jantar, não consegui completar uma frase coerente. Meus pensamentos ainda estavam confusos. Estava difícil aceitar que você, a partir daquele momento, não fazia mais parte da minha vida.
A minha amiga, minha confidente, minha companheira, minha amante.

O fato inexorável é que em algum lugar, momento, olhar, algo ficou soterrado. O gosto do tomate era de tristeza. Enquanto a carne refogada, requentada, fria, tinha o gosto amargo da incompreensão.
Dali a instantes começaria a reler o bilhete e novamente incompreender as letras.

Não sei se foram as contas no vermelho, os papéis daquele imóvel que demorei a assinar, se foram as noites dormidas no sofá da sala vendo o mesmo programa repetido na televisão quase em som inaudível ou se foi só o desgaste do rádio relógio na mesmíssima hora todos os dias, com a mesma música insuportável, os reclames de sempre e o trânsito na cidade. O copo ainda estava sujo, o maldito batom roxo.

A cama tinha tomado proporções maiores. Os corpos estavam distantes. Sentia-me sozinho. Uma solidão que dilacerava o peito. A vontade de chorar não passava. Chorar seria um brinde à minha covardia em continuar algo que não tinha continuação.

Disquei os números inconscientemente. Números que jamais sairiam da minha memória. Do outro lado a voz que ouvi durante seis anos. A doce voz de Tereza. Não consegui falar, uma lágrima despretensiosa rolou pelo rosto. Ela repetiu algumas palavras, não disse o meu nome.

Não me fez os dengos que costumava fazer, pareceu irritada. O meu silêncio, o silêncio do quarto, o silêncio da vida, o sem sentido de tudo aquilo, tudo conspirava a me reafirmar o fim. Que eu insistia em não entender. O telefone já tagarelava o sinal do vazio, outro silêncio dilacerante. Uma bofetada. O copo que se equilibrava na mesa da sala, enfim, se espatifou no chão. O barulho contrastou com o silêncio. A maldita marca de batom desaparecera entre os cacos.
O que restou, os cacos de vidro. E feri minhas mãos ao tentar limpar. O bilhete, finalmente rasguei.