Os primeiros raios de sol batiam na janela. Já havia amanhecido. E aquela sensação não saia de seu corpo. O corpo guarda algumas sensações.
Primeiro foi o frio. Logo em seguida veio o calor. A tremedeira foi o desfecho. Depois disso, os raios de sol em um quarto mofado do centro da cidade. E mais uma vez a memória falhava.
Sua última recordação tinha o corpo tatuado, cabeça raspada e alguns piercings. O cheiro estava empreguinado em seu corpo, álcool. Vodca barata, provavelmente. Sua cabeça dizia isso.
O rádio ainda o tocava aquela maldita fita dos Rolling Stones. Desligou.
Procurou pelo quarto algum indício de algo que lhe explicasse o que havia acontecido. Nada reavivava sua memória da noite anterior.
Abriu seu estojo de maquiagem. Dentro dele, um pseudo-batom e um espelho. O espelho recebeu uma rajada branca. O pó que a faria entender melhor as coisas.
Cheirar, para ela, era uma cerimônia. E esta cerimônia precisava de bebida e música. Voltou a ouvir a fita.
Embaixo da cama encontrou a garrafa de vodca da noite anterior.
E ao som de Eric Clapton, cheirou sua última carreira. No acorde final de cocaine, todo seu reservatório tinha acabado.
Êxtase. Sensação de alívio. Sem calor, nem frio, sem dor, sem nada. Apenas a sensação de bem estar. A sensação de domínio do mundo. O mundo era ela. E ela tinha total domínio sobre ele.
O efeito passou rápido. É como vento que levanta a poeira, passa rápido, leva tudo, e acaba.
O lugar fétido começou a incomodá-la. Era hora de partir. Pouco importava o que havia acontecido.
Álcool, drogas, um sexo casual, algumas risadas, e nenhuma memória do que havia acontecido. Isso já tinha virado rotina.
Pegou seu celular, e chamou um táxi. Afinal de contas, precisava dormir, o final de semana estava apenas começando.
- Toca para o Leblon.
Na sala o pai lia o jornal. Lhe desejou "boa tarde" como desejaria a qualquer um dos dez empregados da casa, sem mais nenhuma outra frase para acompanhar o seco "boa tarde".
A noite chegou. Na varanda seu pai jogava xadrez com um amigo. Lhe desejou "boa noite". Sem perguntas. Apenas o "boa noite". E ela saiu para mais uma noite.
Hoje faz um ano que Layla morreu - overdose. Na lápide, feita por seu pai, está escrito apenas "Adeus".