Eu nunca fui a criança que alguém perguntasse sobre o que eu seria quando crescesse.
A única coisa que valia na minha família era se iríamos sobreviver. Pagar o aluguel, vestir e comer.
Comprar roupa somente na troca de estação. E não era simples. Era comprar roupa de frio no verão, e de verão no inverno. Então, nunca fui a criança que esteve na moda.
Eu fui ao Mc Donald´s depois de grande, quando eu pude pagar meu próprio lanche. Talvez por isso hoje eu seja a adulta que não está nem aí para a rede de fast food.
Essas coisas materiais, honestamente, não me fazem a menor falta. Mas eu notei, depois de adulta, que eu não tive pais presentes. Minha mãe nunca falou sobre sexo comigo. Tudo que eu aprendi foi na rua, ou lendo. Eu era uma baita de uma leitora. Vivia pegando coisas na biblioteca.
E, além de não ter sido educada/instruída, o que me pega mais é a famosa pergunta "O que você vai ser quando crescer?". Na minha infância minha mãe estava tão preocupada com ela, com terminar os estudos dela, pensar na carreira e etc, que nunca pensou sobre a minha vida.
Eu lembro que um dia, quando eu já estava prestes a terminar o Ensino Médio, ela me disse "Você vai fazer Direito". Eu não tinha vocação alguma pra isso. Mas na cabeça dela era o que dava dinheiro.
Óbvio que eu nunca passei em um vestibular para Direito. Eu mal estudei! Nunca coloquei os pés em um cursinho. Eu não sei de onde ela tirava a ideia que eu, sem estudo algum, vinda de uma escola pública, iria passar num vestibular.
Quando ela notou que tinha fracassado neste sonho da advocacia, me disse "Já que você não passa na faculdade, precisa trabalhar". E, como não tem profissão, vai fazer magistério". Ou seja, eu terminei o Ensino Médio, e voltei a fazer o Ensino Médio. Enquanto os pais dos meus colegas pagavam cursinho, faculdade, eu estava voltando para o Ensino Médio.
Foi horrível! Eu me sentia péssima. Inútil, era isso.
Bem, depois que terminei o Magistério eu comecei a trabalhar para pagar a faculdade privada. Fiz Rádio e Televisão. Isso diz muita coisa.
Eu demorei anos e anos para perceber que o que me faz feliz é arte. Deveria ter feito artes cênicas e foda-se, sabe? Mas não tive coragem porque eu precisava trabalhar para me sustentar. E artes cênicas? Anos 2000, minha gente. Eu não era padrão, e não era filha de ninguém. Quais as chances?
Esse textão é só pra dizer. Incentivem seus filhos. Perguntem sobre o que eles gostam. Se interessem por eles. Isso tem muito mais valia do que qualquer brinquedo, qualquer curso, qualquer coisa.
O interesse genuíno não tem preço. Isso fará essa criança se sentir segura, acolhida, e com certeza terá mais ferramentas para enfrentar a vida.
Por outro lado, tem uma coisa que essa infância/adolescência desacompanhada me trouxe.
Sou uma adulta que não está nem aí pra validação, nunca tive mesmo. Então se as pessoas gostam, não gostam, querem ver, não querem, eu não estou nem aí.
E, isso também reflete nas relações. Eu sempre acho que não preciso me relacionar com ninguém. Na verdade eu nem sei me relacionar.
Sabe o que foi isso tudo? Uma boa sessão de terapia...