Celinha havia participado de diversos casamentos, seja como dama de honra quando ainda era criança, ou como madrinha, já na vida adulta. Acumulava nessas duas funções treze casamentos, nenhum deles o seu. Mas acreditava piamente no amor. Em algum lugar estaria seu amado, e assim como nos filmes, em algum momento se encontrariam. Era uma questão de tempo.
Já estava com seus 35 anos, o que para os tempos de Nelson Rodrigues, seria descrita como uma senhora ainda bem bonita, cabelos pretos até os ombros, pele clara e olhos cor de mel. Isso não é importante para história. Os tempos são outros. São?
Era destemida na missão do amor. Participava de fóruns no Facebook, tinha todos os aplicativos nacionais e internacionais, não temia pagar em dólar. Sem filhos, a chefe de enfermagem tinha pouco tempo para diversão, então entre um plantão e outro, zapeava seus aplicativos, trocava mensagens, e pensava em toda uma vida que ainda não havia acontecido. Tinha nome dos filhos, o tipo de casa que gostaria de morar, como seria seu marido, e como viveriam o seu "felizes para sempre". Como ela mesma dizia, coisas boas acontecem com pessoas boas. E se tinha alguém bom neste mundo, esse alguém era a Celinha.
Era mais um domingo enfadonho de folga quando um homem chamado Ben Backer a chamou no messenger do Facebook dizendo que havia amado sua carta de encorajamento aos soldados americanos.
Há um mês ela havia escrito um longo texto falando sobre coragem, amor, e seu trabalho com a Cruz Vermelha na página da U.S Army no Facebook, e desde então vinha recebendo diversas mensagens de agradecimento.
"Olá, estou no Afeganistão, vivendo tempos bem difícieis em Ghazni. O Talibã tenta destruir a nação pela força. Seu texto encheu meu coração de amor e esperança. Muito obrigada pelo carinho - Ben Backer"
"Olá, Backer. Espero que esta mensagem te encontre bem. Soube que ao menos 8 civis foram mortos semana passada por morteros no bairro de Naw Abad. Minhas orações estarão com vocês"
Foram dois meses de trocas de mensagens, fotos e juras de amor eterno. Celinha finalmente vivia seu conto de fadas. Tinham planos para quando Backer saisse do Afeganistão.
E em março/20 saiu a notícia em todos os jornais que segundo um acordo assinado pelos Estados Unidos em Doha, todas as forças estrangeiras deveriam abandonar o Afeganistão em até quatorze meses.
Nos planos do casal assim que isso acontecesse, Backer viria para o Brasil. Ele era órfão, perdeu os pais ainda criança, e passou a vida em um orfanato até ir para o exército americano. Vivia queixando-se da vida de militar, e que gostaria muito de ter paz. Viver num país sem guerras, com clima tropical, e ao lado da mulher de sua vida bebendo muitas caipirinhas em praias paradisíacas.
Naquela noite ambos comemoraram a notícia. E naquele momento Backer fez uma confissão:
- Meu amor, você confia em mim?
- Claro que sim. E você, confia em mim?
- Com todo o meu coração.
- Celinha, em um palácio em Cabul, eu e o Capitão Harris encontramos uma fortuna e iremos dividir o dinheiro com mais três soldados que irão nos ajudar numa missão de resgate. Esse dinheiro estava guardado lá, e nós estávamos esperando a notícia de que poderíamos finalmente sair do Afeganistão para regatar esse dinheiro. Eu ficarei com U$ 5 millhões. Este valor precisa sair de forma clandestina daqui do Oriente Médio. Vou precisar da sua ajuda.
- Como assim? Como eu posso ajudar?
- Vou te mandar os US$ 5 milhões numa caixa. Mas pra isso preciso que você pague o envio, o valor é de U$ 807. Eu estou no meio da guerra, sem dinheiro algum para fazer isso agora. Você consegue fazer isso por mim?
- Claro.
Celinha foi bloqueada no messenger, Backer sumiu. Por vergonha de seus amigos e familiares, ela nunca registrou ocorrência.
Texto da série - Era Cilada