quinta-feira, 14 de junho de 2018

1 - O anão

Não tenho absolutamente nada contra pessoas de baixa estatura.

Era um sábado ensolarado de cerveja com amigas, quando uma delas virou-se pra mim de supetão e profetizou:

- Você é exigente demais! Já pensou que está sozinha por escolher demais?

Não tive dúvidas. Fechei os olhos e desci o dedo no aplicativo. Fiquei sem critérios.
Senhores de 60 anos, homens analfabetos funcionais, marombados, com filhos que fariam Catra um amador, gordo, magro, baixo, alto, sem critério mesmo!

E no meio de tantos um mandou o papo reto.

- Oi, vamos tomar alguma coisa hoje?

Ele tinha uma foto de rosto. Normalmente eu pergunto as coisas escrotas que eu detesto que me perguntem. Altura, e etc. Mas como lembrei da minha amiga profetizando, não perguntei nada. Vamos deixar fluir esta magia. Nem conversei muito para dizer que estava encantada com o papo. Só marquei.

Lembro que nesta época frenética de encontros eu marcava sempre no mesmo lugar - um bar ali da Vila Mariana. Já estava até amiga do garçom.

Conforme fui me aproximando do local, fui avisando o moço sobre a minha localização. Ele disse que estaria do lado de fora. Quando cheguei havia somente um cara do lado de fora, durante a semana o bar é mais tranquilo, e é por essas e outras que sempre escolhia o mesmo.

Naquelas mesas bistrô que ficam na calçada o cara deu um salto olímpico da cadeira e o topo de sua cabeça estava na altura do meu peito. Ele não se intimidou, puxou minha mão para que eu abaixasse e beijou meu rosto se apresentando.

- Vamos lá para dentro?

Aceitei sem pestanejar. Não gostaria de presenciar a luta que deveria ser subir naqueles bancos altos.

Ele tentou engajar uma conversa. Como era final de ano, resolveu questionar sobre meus planos para as datas comemorativas. Eu não tinha nenhum. Ele tinha, e muitos.

- Então, eu vou passar o Reveillon em Los Angeles. Não sei se te contei, mas sou diretor de videoclipe. Como tenho um trabalho por lá, vou aproveitar para ir antes.

Eu só balancei a cabeça.

- Não sei ainda, mas se alguns amigos confirmarem devo alugar uma casa por lá. Aí vamos viajar os Estados Unidos de carro e blá, blá, blá, blá...

O anão tinha um ego do tamanho do universo. Ele conseguiu passar horas falando dele. O máximo que eu fazia era sacudir a cabeça. Ora eu concordava, ora eu fingia espanto, e ora eu tava cagando mesmo para o que ele estava falando (isso foi a maior parte do tempo).

Ao final da noite eu poderia escrever uma biografia não autorizada sobre "O maior anão que o Brasil já teve".

Ele quis ser gentil e se ofereceu para me acompanhar até o estacionamento. Eu meio que já sabia o que aquilo significava, e agradeci dizendo que era bem perto e eu poderia ir só. Ele insistiu.

No caminnho fiquei pensando. Bom, ele não vai me alcançar pra beijar. Fica tranquila.

Quando chegou no carro eis que vem a frase matadora:

- Bom, Viviane... Eu tenho muitos planos, e eles não incluem um relacionamento. Gosto de ser bastante honesto com isso. Mas te achei bem interessante, então se estiver ok com esta condição, podemos nos divertir.

Depois de respirar profundamente, e pensar muito nesta proposta (2 segundos), eu agradeci imensamente.

- Nossa! Que linda sua sinceridade. Mas buscamos coisas diferentes.

Momento em que tentamos manter a dignidade e o fora é educado.

- Mas a gente não pode se divertir enquanto você busca o cara certo? Eu sou o cara errado.

Só ele riu desta piada. Eu fiquei tão sem ação que nem rir eu consegui.

- Não. Já me diverti bastante por um dia só.

- É porque eu tenho baixa estatura?

- Não! Imagina! É porque você é chato mesmo.