Quando eu era criança costumava passar minhas férias com ele. Ele tinha um depósito de castanha. Quando eu enchia muito o saco dele, ele me mandava contar castanhas. Elas ficavam num canto do depósito. E lá ia eu contar as castanhas. Quando chegava aproximadamente na centésima, eu já estava contando com muita má vontade. Saia batendo o pé e dizendo que trabalho infantil era crime. Ele ria.
Chegou o dia da revanche. Quando ele me mandou contar castanhas, eu disse que não sabia ir muito além do número cem, e que ele precisaria me ajudar a contar. Meu avô pensou, coçou a cabeça, deu aquele risinho sábio e disse "Eu preciso do número para passar ao comprador. Como ele vai comprar sem saber quantas têm?". Sentamos os dois em frente à montanha de castanhas:
- Sabe, vô. Eu não sei como o senhor aguenta este trabalho. Queria muito saber o que o senhor faz sem mim para contar todas essas castanhas. Eu só venho aqui nas férias. Acho que é por isso que o senhor anda cansado. É muita castanha para contar.
Naquele momento meu avô sentiu que era a hora de me mostrar a vida. Foi ao fundo do depósito, pegou a balança grande e pesada. E começou a encher os sacos de castanha. Colocou sobre a balança e disse:
- Quando você não vem, eu uso isso aqui, tá vendo? O saco tem 20 quilos de castanha.
A minha boca abriu em formato de "o", era assim que eu fazia quando algo me impressionava.
- Mas e se o freguês não confiar na balança, vô. Se ele quiser saber quantas têm?
- Ele que leve e conte em casa. Se tiver faltando alguma, pode vir buscar.
E saiu pela portinha do depósito arrastando suas sandálias de couro. É assim que é meu avô, desvenda os mistérios do universo, e sai. Sai sempre enigmático, como quem disse algo que não podia dizer. Como se guardasse todos os segredos do universo, e só contasse pra mim.