Era final de julho quando seu vôo aterrizou em Guarulhos. Vinte e quatro horas de viagem. Seu corpo doía muito, parecia ter levado uma surra. Mas mais que seu corpo, sua alma.
Olhou em volta e não viu os cartazes, os sorrisos, os amigos. Não havia ninguém a sua espera. Uma realidade bem diferente da última vez que esteve no Brasil.
Ninguém sabia de sua chegada. Ninguém a esperava porque não era para ela estar ali.
Depois de mais de cinco anos morando em Paris, seu marido havia recebido uma proposta de uma empresa japonesa, e teriam que morar no Japão. Mesmo sabendo que seria uma mudança radial em sua vida, Raquel em momento algum cogitou a idéia de não acompanhá-lo nesta nova fase.
Mudava de país pela quarta vez em dez anos de casamento.
Antes de ir para o Japão, passou pelo Brasil para visitar amigos e parentes. Enquanto isso seu marido organizava a nova vida no Japão.
Ao término de um mês, foi para o Japão ao encontro de Rogério.
A casa ficava no bairro de Miyagawa, conhecido como bairro das gueixas.
Ficou encantada com toda aquela atmosfesra oriental. E por alguns minutos cogitou a felicidade em uma cultura tão distinta da sua.
A casa não era muito grande, mas era bastante acolhedora. Rogério havia feito uma decoração muito parecida com a da antiga casa.
Ele a recebeu com um jantar japonês para desejar boas vindas.
Conversaram a noite toda. Já embreagados, foram domir.
Já fazia uma semana que estava no Japão. E em uma semana, não fizeram sexo sequer uma vez. No começo achou que poderia ser o cansaço, mas depois de tentar algumas vezes, chegou a conclusão que o problema era outro.
Estavam deitados em um silêncio sepucral. Incomodada, Raquel puxou a conversa:
- Algo aconteceu...
- O que quer dizer com isso?
- Estamos diferentes. Eu te fiz alguma coisa?
- De jeito algum. Estou muito agradecido por você ter aceitado vir pra cá.
- Agradecido. Acho que esta palavra é a chave de tudo. A palavra correta é feliz. Mas não é o que parece. Você não está feliz.
- Não.
- O que eu posso fazer?
- Nada.
- Nada?
- Não há nada que você, ou eu, possamos fazer. O meu amor por você acabou.
- Em que momento?
- Não sei explicar o momento exato em que isso aconteceu. Mas aconteceu. E não há explicação sensata para isso. Sei que esse mês sozinho me fez perceber que já não te amo mais.
- E esperou eu atravessar o mundo para me falar?
- Queria que eu fizesse isso por telefone?
- Eu vou embora.
- Não precisa sair daqui correndo. Fique o tempo que precisar.
- Como você quer que eu permaneça ao seu lado? Acabo de descobrir que a pessoa que eu amo, não me ama mais.
Não conseguiu chorar. Não conseguiu prosseguir a conversa. Arrumou as malas e saiu no meio da noite. Dormiu em um hotel. No dia seguinte comprou uma passagem para o Brasil.
Passou dez anos de sua vida ao lado daquele homem. O acompanhou por todas as partes do mundo. Fez tudo por aquele casamento. Agora estava sozinha. Sentia-se como uma criança com medo do escuro.
Ao chegar em casa abraçou sua mãe, e chorou.
Sayuri nasceu em abril do ano seguinte.
Rogério nunca soube que era pai.
Na noite em que Raquel saira de casa, Rogério enforcou-se.
Um bilhete explicava o motivo.
"Raquel,
Sou um biltre. Mudei para o Japão porque meu amante havia vindo para cá. Ele mesmo me indicou para o novo emprego. Quando eu lhe disse que o amor havia acabado, e vi em seus olhos o quanto você me amava, me senti culpado pela sua infelicidade. Me senti culpado por não te amar. Deveria ter sido mais honesto com você. O amor não acabou, ele nunca existiu. Nunca me separei porque era importante manter as aparências. O único momento em que fui verdadeiramente homem foi quando terminei nossa relação. Mas não sou homem o suficiente para conviver com as minhas escolhas. Espero que seja feliz."
Rogério nunca amou Raquel, porém lhe propiciou vivenciar o maior amor do mundo, o amor de mãe.