Ela dizia que era mulher de um homem só. Esta era a sua filosofia e nada mudaria seu modo de pensar.
Estava cansada de pseudo-relações. Cansada. Esta era uma palavra que demonstrava bem seu estado.
Promessas falsas, amores impossíveis, relações mal acabadas. Tudo complexo demais para o que ela almejava desde a infância. Uma relação. Uma casinha com papai, mamãe e filhinhos. A típica família do comercial de margarina.
Já tinha trinta e poucos anos. Digo trinta e poucos porque jamais sabemos a idade correta de uma mulher de trinta e poucos.
O médico a havia alertado sobre a gravidez. Uma gravidez de risco de uma mulher de trinta e poucos. Afinal, era a sua primeira gravidez.
Trinta e poucos anos e mãe solteira. O castelo havia sido desfeito no momento em que o exame havia dado positivo. Teria um filho cujo pai havia sumido assim que soube da notícia. Nada de cafés da manhã com a família reunida. Nada de comemorações de Natal com todos à mesa esperando o peru.
Tudo tinha esvaído-se junto com o resultado de uma gravidez não programada.
Decidiu que seria mãe. Nada de amores conturbados, nada de relacionamentos, seria mãe e ponto final.
O teatro estava vazio. Havia ido somente porque havia prometido a César que iria.
A peça não foi ruim, mas estava longe de ser uma peça boa.
Na saída do teatro foi parabenizar o amigo iniciante. Foi apresentada a todo o elenco. Já havia cumprido sua missão.
Silvia aguardava seu táxi. Era impossível não reparar nela. Cabelos longos e ruivos, vestido preto e cumprido. Olhos azuis turquesa. Dentre amadores, ela tinha sido a salvação de um texto mal escrito.
Aproximou-se e comentou sobre a peça.
O táxi chegou no momento em que ela a elogiava. Nada melhor para o ego de um ator que elogios. Ofereceu carona no táxi.
A chuva caía torrencialmente. Junto com ela, o trânsito de São Paulo parava. A conversa fluía. Os sorrisos também. As idéias eram parecidas, a vida às vezes é tão ingrata com a escolha do sexo. Se Silvia fosse homem, seria perfeita, ou não.
Era uma linda manhã de domingo. Como sempre, estavam discutindo sobre música, teatro, cinema, eram os assuntos favoritos.
Uma bela manhã de domingo em família. Tudo que ela sempre sonhara. Não exatamente a do comercial de margarina, mas muito feliz.
- Sílvio, passe a margarina para a mamãe?