Foi citando uma frase de Caio Fernando Abreu que ele saiu de cena:
"- Só que homossexualidade não existe, nunca existiu. Existe sexualidade - voltada para um objeto qualquer de desejo. Que pode ou não ter genitália igual, e isso é detalhe. Mas não determina maior ou menor grau de moral ou integridade".
Bateu a porta de casa, e saiu. Saiu deixando todos que estavam sentados na sala de jantar com a sensação de vergonha. Vergonha por terem dito o que haviam dito. Vergonha por serem preconceituosos. Vergonha por terem dito o que muitos pensam, porém têm vergonha de dizerem.
Para que você entenda um poquinho, vamos voltar ao ano de 1989.
Cláudio era um menino diferente. Era o que todos diziam dele. Brincava de boneca com as meninas, adorava os saltos da mãe, e se recusava a ficar sujo. Sempre muito arrumado, cabelo impecável, o que lhe rendia injúrias dos meninos da rua.
Aos 15 anos não tinha beijado uma menina sequer. Aliás, não havia beijado ninguém.
Aos 19 anos, ainda era virgem. E não tinha a menor vontade de iniciar sua vida sexual.
Aos 27 descobriu o que todos já anunciavam, era homossexual.
Primeiro veio o medo, juntamente com a angústia. Logo depois veio a vergonha.
Vergonha de ser o que era. Vergonha de ser diferente do que os pais queriam que ele fosse.
E agora, aos 31, havia levado seu primeiro namorado para jantar com seus pais.
Imaginava que teria o apoio deles. Afinal de contas, só estava comprovando o que todos já desconfiavam.
Esperava que fosse difícil, mas nem tanto.
Sua mãe, a pessoa mais doce que ele havia conhecido, e referência para o seu mundo particular, havia dito que o amaria para sempre. Independentemente de suas escolhas, ele sempre seria seu filho.
- Pouco me importa o que Cláudio faz de sua vida sexual. Ele é meu filho, e sempre será. E não deixará de ser amado. Sempre foi um bom filho. Estudioso, carinhoso, educado, dentre outras milhões de qualidade. E eu jamais terei motivos para me envergonhar dele.
Seu pai já não compartilhava desta opinião.
- Uma bichinha, é isso que ele é. Um homem que vive na promiscuidade. Homem, faz-me rir. Cláudio nunca foi homem, e a culpa é toda sua. Esta sua criação liberal. Que vergonha, meu Deus. O que direi aos meus amigos? Já sei. Direi que Cláudio foi morar em outro país. Porque é isso que ele fará.
Exceto o de sua mãe, os olhares eram de reprovação. Resumiram sua opção sexual a nada. Seus irmãos se calaram. Consentiam com seu pai.
Resumiram seus desejos, sua vida, seus amores, a nada. Para aquela pessoa presente na sala de jantar, ele era uma bichinha. E para ele, aquela pessoa, naquele exato momento, deixou de ser seu pai.
A fila já dava volta no quarteirão da livraria Saraiva. Já era a quinta edição do livro - Memórias de uma "bichinha".
Cláudio já estava indo embora quando reconheceu a voz. A doce voz da infância. Seus olhos ficaram mareados. Era sua mãe.
- Você assinaria mais um?
- Pra você? Por você eu cansaria a minha mão de tanto escrever. (riso)
- Seu pai está doente. Está com câncer. Disse que gostaria de falar com você.
O homem na cama não era o mesmo que ele havia deixado na sala de jantar naquela noite de Agosto. Estava distante da arrogância e prepotência que ele havia visto ao fechar aquela porta.
- Peço, caso seja possível, que me perdoe. Peço, caso seja possível, que me deixe morrer em paz. Sei que não mereço, mas sei que você tem um bom coração, e não deixaria um velho tolo morrer assim, sem o seu perdão. Errei. Errei muito com você. Pena ser tarde demais para reconstruirmos nossa relação. Portanto, agora, só me resta pedir o seu perdão.
Cláudio o olhou com ternura. Passou levemente suas mãos por aqueles cabelos brancos, e sorriu. Uma lágrima caiu.
Não teve tempo de dizer que o perdoava. Mas no fundo sabe que ele entendeu.
Não perdoar seria colocar-se no mesmo patamar de rancor, raiva e ressentimento. Cláudio era muito melhor que aquilo tudo. Cláudio era alguém que tinha alma, e um enorme coração.
Saiu de casa. Desta vez não bateu a porta. Não voltará. Mas ali enterrou seu último sentimento ruim. Agora poderia ser plenamente feliz.
Quem diria que a vida iria dar nisso?