Parece mesmo que a memória vai apagando. E se você fechar bem os olhos, vai ver lá no fundo algo que pode ser real, ou que pode estar totalmente misturado com as suas emoções. Tem sensações que estão tão presentes, que você sente o cheiro, o gosto, como se fosse o dia de ontem. E esse emaranhado de memórias formam a gente.
Quando eu era criança eu jamais imaginaria que meu pai pudesse morrer. Isso não passa pela cabeça de uma criança. Das minhas irmãs, eu sou a que mais conviveu com ele. Do tempo que meu pai era jovem e tentava ser pai, sem ao menos saber o que isso poderia ser. E quando minhas irmãs me perguntam sobre ele, eu digo que ele era um cara divertidíssimo e a minha criança era muito apaixonada por ele.
Lembro de ir para escola de cavalinho, com as pernas cumpridas batendo em seu peito enquanto andávamos dois quarteirões até a escola. A gente conversava, ria, ele me dava um beijo e eu entrava para escola.
Ele brincou comigo de pega-pega, me levou ao circo, aos shows infantis, me deu uma perna de pau, brincou muitas vezes comigo de castelinho e tubarão na praia, ele arrumava o cabelo pra cima e dizia que viraria um grande tubarão e que iria me pegar. Me ensinou a andar de bicicleta, adotou um gato preto, mesmo minha mãe não gostando de gatos, adotou um pastor alemão para cuidar da casa, e no final a gente que cuidava dele o tempo inteiro. Meu pai penteou meu cabelo, trocou meu uniforme de escola muitas vezes, fez meu almoço favorito, me deixava escolher um docinho na padaria aos domingos, e assistia os Trapalhões comigo, tomava chá das minhas bonecas, e estava sempre disposto a entrar no meu faz de conta.
Eu tenho um medo danado de perder esse cara legal que habitou minha infância. Ele foi embora na minha adolescência. Meus pais se separaram, e eu nunca mais consegui vê-lo com aquele olhar infantil mágico. Mas vira e mexe eu gosto de colocar uma música, ver as fotos, e pensar que foi muito bom ter registrado tudo isso na minha câmera mental.
Então, se eu fechar os olhos agora, eu consigo sentir tudo isso como se fosse ontem.
E vou refazer esse caminho algumas vezes porque quero manter todos esses fragmentos o máximo que eu puder. Fazia tempo que não visitava.
Obrigada, Aftersun por isso.