domingo, 5 de julho de 2009

Trilho

Estação Santa Cecília - São Paulo.

A chuva caía gelada no corpo desnudo sentado no chão da rampa de acesso ao metrô.

O batom estava borrado, assim como o lápis de olho denunciava que aquela maquiagem havia sido feita na noite anterior.
As roupas cheiravam cigarro e bebida. O coque despenteado deixava apenas uma mecha de cabelo caída na face.

Era de se impressionar que alguém conseguisse ficar ali no chão gelado vestindo apenas uma vestido tomara que caia.

Chorava copiosamente. As pessoas apressadas para o trabalho olhavam com piedade mas eram incapazes de pararem para ajudar.

Um senhor de aproximadamente 72 anos se aproximou e fez a pergunta que no íntimo todos se faziam, mas ninguém teve coragem de perguntar:

- O que houve?

A pergunta fez com que ele chorasse mais ainda. O senhor acompanhou o choro e lhe cedeu seu lenço para que secasse suas lágrimas e finalmente dissesse o que estava ocorrendo.

- A vida deixou de ter sentido pra mim. Bebi a noite toda, usei todas as drogas que se poderia usar, tentei de tudo para esquecer a minha sorte, mas de nada adiantou. Continuo sentindo uma dor enorme dentro do meu peito, parece que está tudo dilacerado dentro de mim. É como se o mundo ficasse em silêncio e esperasse que eu respondesse algo que não sei como responder. Eu estou morto, o senhor sabe o que é estar morto aos 29 anos?

- Não estou lhe entendendo...

- Eu estou morto, senhor. Fiz da minha vida uma montanha-russa de adrenalina pura. Vivia um dia sem saber como acabaria, vendi meu corpo, minha alma, minha vida. Minha mãe está em Quixeramobim esperando eu voltar com dinheiro de São Paulo. Mal ela sabe que sou um travesti, que ganho a vida dando o meu rabo para quem pagar mais. Ela acha que eu sou estagiário de um banco...

E assim que terminou de falar, saiu correndo, deixando para trás sua bolsinha de mão.
Desceu as escadas correndo, atravessou a catraca por cima. Os seguranças tentaram alcançá-la sem sucesso. Assim que chegou no local de embarque, se jogou nos trilhos.

Dentro da bolsinha de mão havia um trident, um batom vermelho, e um exame de sangue - HIV positivo.

Sinopse

Sinopse:
A menina legal e descolada que tem um grande amigo inteligente, divertido, que gosta de moda e sabe se vestir bem, fala com fluência e desenvoltura, gosta de ouvir boa música e ir a bons restaurantes, mas é gay.
A família dele não pode sonhar que ele é gay. Ele nem parece gay.

Numa festa familiar, ele leva a amiga, e em pouco tempo as tias a chama de sobrinha, a mãe dele vira sua mãe, o irmão também é seu, os sobrinhos a chamam de tia, e todo mundo diz que formam um lindo casal.

Saem da festa rindo da percepção alheia e caem numa balada gay.
Dançam, bebem, dão risada.

Ela vai embora com mais um cara que não vale um centavo.
Ele beija um que conheceu na noite.

Jamais ficariam juntos, ela não é lésbica.

E mais uma vez surge a pergunta:

Por quê os melhores são gays?