No começo, não se conta as horas em horas, nem os dias em dias. É tudo sensação. Uma vaga idéia do tempo que passa, porque é escuro e claro lá fora, porque às vezes se trabalha e outras vezes não, porque os amigos fazem anos, os feriados acontecem, mas não existe lógica, nem total apreensão das coisas. Se eu choro, o meu choro é devaneio abstrato. A saudade é tão primeira e irracional, que ainda sinto o seu cheiro na saudade. Você há pouco estava aqui.
Depois, as formas vão de novo desenhando as coisas. Devagar, eu reconheço o meu quarto. Sei que está vazio. Já sou capaz de discernir algumas vozes, ler o jornal, tomar o café, responder a pequenas questões sobre a vida. Eu tenho noção do que acabou, do que esteve e já não está. A saudade é segunda – compreendida e qualificada. De repente, me deixou triste saber que não fizemos fotos, mas eu já solto risadas para surpreender o silêncio. Na primeira semana, o silêncio é de ensurdecer a alma, me diz o horóscopo.
O horóscopo se apropria de fragilidades. Diz que o inferno começou no instante em que o Sol flertou com Câncer. Repara como não temos culpa de nada: somos fantoches dos astros. Como um louco, eu te pergunto as coisas, e você responde. A sua imagem é relutante como a de um holograma, e já passa pela minha cabeça a idéia, que ainda nego ferozmente, que talvez eu esteja completamente só.
(Roberto Vitorino - 13 de Julho de 2008)