domingo, 17 de agosto de 2008

A casinha

Eu devo ser um bosta. Um grandissíssimo merda, é isso que eu sou.

Casei com Carla quando ela ainda tinha Vinte e um anos. Vinte e um anos.

Lembro do dia em que a pedi em casamento. Ela saiu correndo pela casa feito uma criança quando acaba de ganhar aquele brinquedo com o qual tanto sonhou.
Eu já estava indo para o meu segundo casamento. Não via tanta novidade nesta história. Mas ela, pobrezinha, estava tão feliz, que não tive coragem de desapontá-la contando a real história dos casamentos. Não era justo acabar com a brincadeira de casinha dela.

Acredito que elas comecem ensaiando desde cedo. Montam a casinha, colocam filhos nela, e pegam qualquer moleque para ser pai, mesmo que ele não queira. Elas forçam o coitado, que acha tudo aquilo uma grande chateação, a participar da brincadeira delas.

Acho que com a Carla aconteceu a mesma coisa. Ela me pegou pelo braço e me forçou a brincar de casinha com ela. Me fez comprar um apartamento, comprar móveis, e a preparar uma festa de casamento. Era isso, ou nada. Com ela não havia meio termo.
E eu fiz tudo isso por um órgão genital feminino. O que não fazemos por sexo de qualidade?


No primeiro ano de casamento só fazíamos isso. Na sala, no quarto, no banheiro, na varanda, no chão, na pia, até em cima do fogão. Carla jamais negava meus pedidos. Em contra partida, eu brincava de casinha com ela.
Ela me pegava pela mão e mostrava para as amigas, mostrava o quanto eu a amava, o que eu havia dado de presente de um ano de casamento, mostrava fotos de nossas viagens, dizia que eu era um homem exemplar. Eu sempre sorria e concordava dizendo que ela que era sensacional.

No segundo ano ela começou a reclamar da pia, estava molhada, reclamou do chão, do sofá, do banheiro, e com o passar do tempo, nem na cama ela queria mais.
Eu já estava ficando impaciente com tanto pudor.
Dizem que casamento é até que a morte nos separe. Na minha opinião, ele é até que o sexo falte.

Eu cumpria a minha parte no acordo. Trabalhava de terno, chegava cansado e a beijava na testa, tomava banho, jantava, até lavava a louça.

Um dia cansei de tudo isso. Já era meu segundo casamento. A experiência me dizia que era daí para a lama total.
Desta vez faria como todos os meus amigos. Não acabaria com o casamento, mas teria uma amante.

Ana Carolina era o nome dela. Jovem, bonita e fogosa. Impressionante como as mulheres quando querem sua alma são fogosas.
Ana Carolina não tinha pudores. E o tempo todo dizia que faria tudo aquilo que Carla não fazia.

O caso durou cinco meses. Depois deste tempo ela queria que eu largasse a minha mulher para ficar com ela.
Eu não queria mais brincar de casinha com mais ninguém. Se fosse para brincar, eu brincaria com a minha mulher mesmo.

Tive muitas. Loiras, morenas, ruivas, japonesas, negras, e no final, todas queriam a mesma coisa, casar comigo.

Acabo de completar 60 anos. A minha companhia é um remédio de coloração azul que me obrigo a tomar para cumprir minha função de marido, com Carla, claro.

Minha neta está brincando na sala. Montou a casinha e neste momento alimenta a boneca.
Pode passar mil anos. Mas as mulheres sempre vão querer a mesma coisa, assim como nós homens queremos sempre a mesma coisa - sexo.

Agora que o sexo deixou de ser tão importante, eu brinco de casinha. Uma casinha lotada de gente, e me sinto um merda. Carla sempre foi inteligente. Encontrou a felicidade no cotidiano.
Eu deixei meu cotidiano passar, e agora me sinto um merda.
A casinha continua funcionando muito bem, já meu pênis, quanta diferença.